Pesquisadora e
professora, falecida no mês de janeiro, construiu grande acervo sobre o
patrimônio aldeense durante sua trajetória de luta para enaltecimento da
cultura popular
São Pedro da Aldeia possui uma importante obra de destaque nacional da arquitetura espontânea: A Casa da Flor - conjunto cultural material, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O espaço, formado por mosaicos, colunas e esculturas de materiais descartados, carrega a identidade e humildade do seu criador, Gabriel Joaquim dos Santos. A genialidade encontrada no local é incontestável, já que a casa é comparada à arquitetura de importantes artistas espanhóis e franceses. No entanto, foi com o apoio e trabalho da professora e pesquisadora Amélia Zaluar que o espaço teve o seu enaltecimento popular e a conservação do valor cultural efetivados nacionalmente.
Amelinha, a pesquisadora era especialista em Arte Popular Brasileira. Ela promoveu e difundiu o trabalho de diversos artistas durante toda a vida, como a do Gabriel Joaquim dos Santos, por quem tinha um carinho especial. A professora foi a criadora da Sociedade de Amigos da Casa da Flor, transformada depois em Instituto Cultural Casa da Flor.
“Conheci seu Gabriel e sua belíssima Casa da Flor em 1978, quando começava meu trabalho com a Arte Popular no Brasil, fazendo pesquisas no Rio de Janeiro e dando aulas. Estava em Arraial do Cabo e li num jornalzinho local uma matéria sobre ela. No mesmo dia, fui até lá. Emocionadíssima, ouvi seu Gabriel falar durante horas. Ele gostava de contar sua história e eu, quase muda, o ouvi totalmente fascinada”, contou Amélia em seu blog pessoal.(Acesse aqui).
A professora e pesquisadora conviveu com Gabriel Joaquim dos Santos por
oito anos, de 1978 a 1985. A convivência resultou em um grande acervo sobre o
local, cedido posteriormente para Centro Nacional de Folclore e Cultura
Popular. Inúmeras obras foram produzidas, entre trabalhos acadêmicos,
pesquisas, exposições, clipes, documentários e livros.
Amelinha descreveu, ainda, o grande impacto que a obra espontânea teve
sobre ela, como muitos visitantes sentem ao entrar no lugar e vivenciar um
forte sentimento de fascinação. “Decidi usá-la (a Casa da Flor) como tema de um
trabalho de conclusão de curso. Passei a visitá-lo com frequência, o que veio a
aumentar minha admiração e aguçar minha curiosidade sobre a vida e obra daquele
homem singular, que, despossuído de tudo, sem nunca ter frequentado uma escola,
revelou-se um artista intuitivo de gênio. Pensava, até algum tempo depois, que
minha fascinação pela Casa da Flor se resumisse a mero interesse intelectual. O
primeiro sinal de que fora atingida mais profundamente foi uma sessão com meu
psicanalista, na época, em que, ao descrever para ele as características da
poética criação, desandei a chorar convulsivamente. Levei um enorme susto e
fiquei realmente surpreendida. Por que essa emoção toda? [...] Essa intenção de
procurar me entender na relação com o objeto de minha pesquisa levou muitos
anos [...] Pouco a pouco, comecei a vislumbrar correspondências entre o que já
sabia de mim e os aspectos simbólicos da criação de Gabriel”, descreveu a
pesquisadora no blog.
Em 2017, a professora recebeu a “Medalha 400 anos do município de São Pedro
da Aldeia”, concedida pela Câmara Municipal, reconhecendo os relevantes
serviços prestados à causa pública. “A ilustríssima professora Amélia Zaluar é
uma das mais importantes conhecedoras da arte popular e do folclore brasileiro,
sendo certo que o seu trabalho em busca da preservação da história do povo
brasileiro, de suas raízes, tradições e cultura já foi amplamente reconhecido
[...] Graças ao seu incansável trabalho, a memória e a história de Gabriel
Joaquim dos Santos permanecem vivas nas paredes da Casa da Flor, importante
ponto turístico da cidade de São Pedro da Aldeia”, afirma o projeto de Resolução n° 52 de 19
de abril de 2017.
Amélia Zaluar faleceu no último dia 20 de janeiro. Não há informações
sobre a causa da sua morte. O seu legado intelectual contém grande significado
na preservação da Casa da Flor. “Amelinha se foi, deixando um grande legado de
luta pela preservação e valorização da cultura aldeense. Sua perda irreparável
deixou em nós um vazio inconsolável, principalmente para os admiradores da
cultura e da arte. A equipe da Secretaria Municipal Adjunta de Cultura lamenta
a perda de mais uma figura icônica para São Pedro da Aldeia”, comentou o
secretário de Cultura, Thiago Marques.
O livro sobre o monumento, escrito pela professora e pesquisadora, está
disponível para acesso pela internet. A obra “Casa da Flor: Tudo Caquinho
Transformado em Beleza” traz em detalhes os aspectos físicos do espaço, a
história e a biografia do seu criador. O material pode ser lido no link: https://issuu.com/
A Casa da Flor
Em 1912, Gabriel Joaquim dos Santos, filho de uma índia e de um ex-escravo africano, começou a construção de uma casa pequena próxima da sua família. Foi construída de pau-a-pique, com pé-direito baixo e chão de pedra. Seu sonho era adorná-la com arte, mas não sabia bem como fazer isso sem recursos.
Quando a construção de sua casa já estava em
andamento, Gabriel contou que, em 1923, inspirado por um sonho, começou a
embelezar a casa com mosaicos, esculturas e enfeites diversos coletados no lixo
e a partir de objetos quebrados. Segundo ele, eram “coisinhas de nada”: búzios,
conchas, depósitos da lagoa, detritos industriais, pedaços de azulejos, faróis
de automóveis, cacos de cerâmica, ladrilhos, tampinhas, pedrinhas e correntes.
A arquitetura espontânea da Casa da Flor é
comparada às obras de grandes arquitetos, como Ferdinand Cheval, na França, e
Antoni Gaudi, em Barcelona. A casa é considerada uma espécie de “barroco
intuitivo”.
Situada no bairro Parque Estoril, o espaço foi
tombado pelo IPHAN em setembro de 2016 como Patrimônio Histórico Nacional, no
Livro de Tombo de Belas Artes.
Fonte: Prefeitura de São Pedro da Aldeia-Assessoria
de Comunicação
Texto: Jéssica Borges